Bastidores da privatização do Banespa

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Mario Sidnei Moreira - Atualizado em 30/09/2021

 

Covas foi a primeira vítima da Intervenção, foi traído, ele tinha certeza disso. No dia 29 de dezembro de 1994, foi procurado por Pérsio Arida, então presidente do BNDES, já indicado para o BC, na gestão de Fernando Henrique.

 

Arida tinha um recado de Brasília: a equipe econômica estudava intervir no Banespa. Mas deu a entender que havia espaço para conversa. Foi marcada uma reunião para o dia seguinte, em São Paulo.

 

Covas reconhecia que a intervenção podia até ser necessária, mas não achava o momento politicamente adequado. Queria administrar o Banespa: "Quem tem problema é o Estado, que deve para o banco".

 

Brasília já havia tomado a decisão. Arida chegou ao encontro com uma carta assinada pelo governador eleito do Rio, Marcello Alencar (PSDB), pedindo a intervenção no Banerj.

 

A orientação era para Covas fazer um documento semelhante. O futuro governador sentiu-se traído e não concordou.

 

Exigiu que o BC explicasse, formalmente, as razões da intervenção.

 

O tratamento do governo federal irritou Covas. Estava disposto a debater o assunto com o presidente eleito. Recebeu o fato consumado e deveria tratar com um funcionário de segundo escalão.

 

Para acalmar o governador oficializou-se, em Brasília, a versão de que a intervenção, às vésperas da posse, teve a intenção de protegê-lo.

 

Seria pior Covas assumir o governo e perder o banco depois. Poderia ser visto como o culpado.

 

Na realidade, para FHC e sua equipe, que tinham como meta tirar o banco das mãos do governador, o momento era aquele, mas a negociação do Banespa esbarraria em pontos de vista diferentes.

 

O governo federal queria tirar do Estado a fonte natural de financiamento da sua dívida. Um motivo: evitar o crescimento dívida. Uma razão: centralizar o poder.

Já o governo estadual queria se livrar da dívida, junto ao banco estadual e em títulos vendidos no mercado, sem renunciar ao Banespa.

 

Para entender o tamanho da dívida imagine alguém que ficasse um ano com o saldo devedor acima do limite do cheque especial. A dívida vira uma ficção escritural.

 

Essa divergência transformou os 90 dias previstos de intervenção federal em 6 anos.

 

Sob a gestão de interventores, travestidos de banqueiros mas, só competentes em fiscalização, “às taxas de mercado”, a dívida foi à estratosfera.

 

Por muito tempo não se publicou balanços.

 

O primeiro trimestre de 95 serviu para que os técnicos do BC, que ocupam a diretoria do Banespa, fizessem um primeiro relatório.

 

O banco poderia ser saneado e depois devolvido a São Paulo ou ter seu controle transferido para o BC, a chamada federalização.

 

A liquidação nunca foi cogitada. Aliás, só não aconteceu a intervenção simultânea da Caixa Econômica do Estado de São Paulo porque, aí sim, a liquidação seria inevitável.

 

Paradoxalmente, a deterioração da instituição salvou a Caixa da intervenção. O abacaxi sobrou para Covas.

 

Em 30 de novembro de 2009 a Nossa-Caixa foi incorporada ao Banco do Brasil, durante o Governo Serra, à pedido do Governador.

 

Malan e Arida queriam livrar o Banespa da dívida e privatizá-lo.

 

O período foi tenso. Numa audiência na Fazenda, o governador foi destratado por Malan e chegou a reclamar com FHC.

 

Arida apresentou a Covas uma proposta embrionária. As dívidas do Estado seriam roladas por 30 anos a juros de 6% ao ano, mais a variação cambial.

 

O governo paulista deveria entregar o Banespa e a Nossa Caixa para privatização.

 

Na reunião, o governador manteve a compostura, mas ficou indignado. Custava a acreditar que a proposta fosse realmente séria.

 

Em março, os interventores do Banespa levaram ao BC uma carta com pedido de demissão coletiva.

 

Já certos de que os 90 dias eram uma ficção, alertavam para os danos que o banco sofria com a demora nas negociações.

 

Para evitar que o assunto desgastasse ainda mais a relação entre Covas e o governo federal, também em março de 1995 foi escolhido um mediador.

 

O advogado Ary Oswaldo Mattos Filho, de confiança de Covas e com bom trânsito em Brasília, assumiu a missão.

 

As partes passaram a se reunir regularmente para tentar encontrar uma solução para a crise.

 

Negociavam, pela União, Arida e Alkimar Moura -diretor do BC.

 

Pelo Estado, Yoshiaki Nakano, secretário da Fazenda, e Fernando Dall'Acqua - adjunto de Nakano.

 

As discussões ocorriam em São Paulo: na sede regional do BC e nas casas de Arida e Ary Oswaldo.

 

Covas era informado sobre as conversas em reuniões que fazia com sua equipe aos finais de semana, no Palácio dos Bandeirantes.

 

Detestava ver o assunto tratado pelos jornais. Sempre que isso ocorria, via na informação um recado, às vezes uma ameaça do BC.

 

Covas temia que especulações dificultassem ainda mais o processo.

 

Após três meses de trabalho, Ary Oswaldo propôs a pulverização do controle acionário do Banespa, que passaria a ser banco público, sem ingerência política.

 

Faltavam apenas retoques à proposta quando Arida deixou o BC, em 31 de maio. A saída havia sido acertada com FHC em março.

 

Um dia antes de formalizar a demissão, Arida informou o ato ao governador paulista. Disse que seu sucessor seria Gustavo Loyola e que o acordo seria mantido.

 

Covas chegou a comemorar o acordo com FHC e José Serra, então ministro do Planejamento, no apartamento do presidente em São Paulo.

 

Mas a festa durou pouco.

 

No dia 7 de julho, após a primeira reunião entre Loyola e Covas no Bandeirantes, informou-se que as negociações continuavam.

 

Não era bem assim. Elas voltavam à estaca zero. Loyola, que não queria apenas ratificar uma negociação da qual não participara, fincou pé na ideia de privatização.

 

O Governo FHC estava apenas simulando uma negociação. Vendo sua proposta enterrada, Ary Oswaldo afastou-se.

 

Cansado de esperar por uma solução, o presidente do conselho interventor do Banespa, Altino Cunha, demitiu-se.

 

Ary Oswaldo foi substituído pelo economista Michael Zeitlin, amigo de Covas.

 

Para o lugar de Cunha foi outro funcionário do BC, Antônio Carlos Feitosa.

 

A temperatura esquentou ainda mais em agosto e acabou por produzir uma estranha aliança entre Covas e o ex-governador Orestes Quércia.

 

O BC determinou a publicação do balanço do Banespa de 94, acusando prejuízo no banco.

 

A ordem era dar por perdido o crédito que o Banespa tinha a receber do Tesouro paulista. Isso oficializaria para o mercado o que todos sabiam: o Banespa estava tecnicamente quebrado.

 

A publicação do balanço só não aconteceu porque Quércia, apontado por Covas como o responsável pelas mazelas do Banespa, entrou na Justiça.

 

Percebendo a gravidade do impasse, FHC determinou que o comando das negociações passasse do BC para a Fazenda - Loyola acompanharia, mas perdera as rédeas do processo.

 

Enquanto isso, a dívida do Estado com o Banespa crescia R$ 500 milhões por mês.

 

O sistema financeiro passava por maus bocados. Estourou o escândalo do Banco Econômico. Surgiram boatos sobre o Nacional.

 

Covas temia que o Banespa fosse o próximo. "Isso vai bater aqui", assessores ouviam do governador.

 

Covas resolveu dar uma cartada, mas não teve fôlego para sustentar.

 

Em agosto de 95, reuniu os líderes partidários no Bandeirantes e anunciou que venderia patrimônio do Estado para pagar metade da dívida com o Banespa.

 

O resto seria refinanciado em até 35 anos.

 

Era uma saída de difícil execução. Vender imóveis para entregar o dinheiro era contar com a sorte.

 

Entrou em cena o secretário de Política Econômica da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros, que na época era apontado como "salvador da pátria".

 

Sua casa, em São Paulo, passou a sediar reuniões.

 

Os encontros aconteciam às sextas-feiras à tarde no BC e, nas manhãs de segunda-feira, na casa de José Roberto.

 

Participavam, além do anfitrião, Loyola e Alkimar, pelo time federal, e a dupla Nakano e Dall'Acqua pelo Estado.

 

Às vezes, o interventor Feitosa também participava.

 

Não raro, os assessores de Covas saíam das reuniões e iam direto ao Palácio discutir as novidades.

 

Em setembro, Loyola se encontrou com Covas nos Bandeirantes para informá-lo que o BC não poderia garantir o dinheiro de metade da dívida, que o Estado propunha pagar com ativos.

 

Preocupado com a operacionalização de sua proposta, Covas procurou o então ministro José Serra, que se mostrou surpreso de o acordo não estar fechado.

 

O ministro havia ouvido de Malan, Loyola e do ministro Clóvis Carvalho (Casa Civil) que tudo ia bem.

 

Serra levou a preocupação de Covas a Clóvis, e este chamou Nakano para ir a Brasília.

Dias depois, já em outubro, Clóvis e Nakano se encontraram.

 

Na reunião, Clóvis apresentou uma sugestão de Malan: que o economista Adroaldo Moura da Silva fosse incorporado à negociação.

 

Amigo de Covas, ele poderia ajudar a operacionalizar o acordo.

 

A proposta foi aceita, mas o apoio decisivo veio de Sérgio Motta - Comunicações, que trouxe o presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros - irmão de José Roberto e amigo de Motta, para as negociações.

 

Depois de algumas reuniões em finais de semana, em São Paulo, o BNDES concordou em adiantar os recursos para que o Estado quitasse metade da dívida do Banespa.

 

Seria uma espécie de empréstimo até que o patrimônio oferecido por São Paulo fosse vendido.

 

Parecia tudo certo. A proposta teria o impacto político desejado, o banco ficaria com São Paulo, o Estado rolaria sua dívida.

 

Mas a conta não fechava.

 

São Paulo oferecia a Fepasa (rede ferroviária do Estado) e os aeroportos de Congonhas e Viracopos -cuja propriedade do Estado sempre foi questionada pela União.

 

A proposta chegou a se transformar no primeiro protocolo de intenções assinado -com festa- pelos governos estadual e federal, em 12 de janeiro de 1996.

 

O acordo congelava a dívida do Estado com o banco em 15 de dezembro, quando a soma era de aproximadamente R$ 15 bilhões.

 

A Assembleia aprovou o acerto em 16 de fevereiro, véspera de Carnaval. Do plenário do Senado, o consentimento saiu em 6 de maio.

 

No Senado, a batalha contrapôs o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP) a Covas e obrigou FHC a interferir mais uma vez.

 

Em reunião no Planalto provocada por Gilberto Miranda (PMDB-AM), FHC sugeriu que Pedro Piva (PSDB-SP), o suplente que ocupou a vaga de Serra por dois anos, fosse o relator.

 

A sugestão foi acatada.

 

São Paulo teria que pagar R$ 65 milhões por mês por 30 anos para manter o banco. O negócio era totalmente inviável.

 

As negociações entraram em banho-maria até quando a Fazenda resolveu atacar outro problema: a dívida dos Estados.

 

Entrou em cena Pedro Parente, secretário-executivo da Fazenda. A estratégia foi deixar São Paulo para o final.

 

Os parâmetros do acordo foram determinados nas negociações com Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

 

As reuniões formais sobre São Paulo começaram em outubro. Foram cinco, sempre às quintas-feiras, em Brasília, com Parente, Nakano e Dall'Acqua.

 

Resultado: o Banespa será federalizado.

 

A tomada de banco estadual, para resolver o problema de crescimento de dívida, foi uma grande falácia. Ainda hoje, estamos falando no mesmo assunto.

 

Quebrado estado que perdeu seu banco. Quebrado estado que conseguiu manter o seu.

 

O problema não é a arma, o problema é o ladrão.

 

Fonte: Arquivos da Folha de São Paulo