A privatização do Banespa

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Mario Sidnei Moreira - 20/09/2019

 

A motivação que levou ao desfecho do dia 20 de novembro de 2000, uma segunda-feira, nunca foi clara

 

O Banespa era o maior dos bancos públicos estaduais e foi criado nos anos 20. O Estado de São Paulo era o acionista majoritário - o Tesouro estadual paulista controlava 66,7% das ações com direito a voto.

 

Os funcionários detinham 13,9% das ações votantes e o restante (19,4%) estavam distribuídos entre acionistas privados.

 

A agonia começa com a posse de Ciro Gomes como Ministro da Fazenda do Governo Itamar, em substituição à Ricupero, que caiu quando uma sua entrevista à Globo vazou via antena parabólica.

 

Quando a indicação de Ciro foi ventilada, Orestes Quércia, presidenciável do MDB, classificou a nomeação como um “risco” para o governo.

 

“Sai o Ricupero, ligado ao candidato da situação (FHC), que confessou os crimes atendendo o candidato dele. Coloca-se um outro mais ligado ainda” afirmou o ex-governador.

 

Ciro assumiu declarando publicamente que o Banespa era um banco quebrado ou falido.

 

A declaração foi motivo de uma interpelação judicial por parte de Carlos Augusto Meinberg, então presidente do Banespa, pelos danos que causou ao banco.

 

Em sua primeira semana à frente do Ministério da Fazenda, Ciro determinou ao Banco Central a intervenção no Banespa. No dia 29 de dezembro de 1994 Malan atendeu.

 

Desde setembro de 1994 o Banespa estava recebendo recursos do GEROF, o fluxo foi interrompido no dia 29 de dezembro e restabelecido no dia imediatamente posterior, prolongando-se o auxílio até a federalização do Banco.

 

A melhor gestão financeira do Estado de São Paulo foi a do Governador Carvalho Pinto.

Percentualmente, o crescimento da dívida nas gestões de Quércia e Fleury não foi maior do que na dos demais antecessores.

 

Em 30 de dezembro de 1994, ainda no governo de Luiz Antônio Fleury (PMDB), dois dias antes da posse do governador Mário Covas (PSDB), o Banespa sofreu a intervenção federal do Banco Central.

 

A intervenção foi decretada porque naquele dia o banco precisou R$ 6,1 bilhões para fechar o caixa.

 

Conseguiu emprestar R$ 1,89 bilhão no mercado, por meio de CDI (Certificado de Depósito Interbancário) - um tipo de cheque especial de bancos para o sistema financeiro.

 

Havia vazada a informação de que o Banespa entraria em Regime de Administração Especial Temporário pelo Bacen, houve sinalização para que o mercado não oferecesse dinheiro para o Banespa, que recorreu, então, para o redesconto do BC - uma linha de financiamento para bancos- para emprestar R$ 4,22 bilhões. O movimento daquele dia não chegava a ser uma surpresa.

 

O Banespa vinha tendo dificuldade de se financiar no mercado havia alguns meses, mas, em dezembro, sua necessidade de recursos do redesconto cresceu.

 

O BC avaliou as garantias que o banco oferecia em pagamento aos empréstimos do redesconto e as considerou insuficientes. Resolveu então decretar a intervenção.

 

É o mesmo que dizer que o acionista controlador, o Estado de São Paulo, não teria mais capacidade de gerir o seu negócio.

 

Á dívida do Estado de São Paulo para com o banco era de R$ 9 bilhões com as altas taxas de juros que eram praticadas no mercado interno, esse montante chegaria a R$ 13,5 bilhões.

 

Pelo menos 30% do valor da dívida do Estado de São Paulo com o Banespa se referia às operações de ARO (Antecipação de Receita Orçamentária) feitas em 1990 (fim do governo Orestes Quércia, PMDB), segundo o BC.

 

Todos os números foram contestados. Em agosto de 1995, o BC começou a defender a privatização, mas o governador Mário Covas não concordava. Em dezembro, o BC decidiu prorrogar por mais um ano a intervenção no Banespa. Em janeiro, Covas e o BC acabaram fechando um acordo.

 

No fim de 97, o banco foi para o governo federal que ficou com 51% do controle acionário do Banespa, como parte do pagamento da dívida de São Paulo.

 

O Sindicato dos Bancários de São Paulo reagiu e entrou com ação na Justiça contra a decisão.

 

Nesse período, o Banespa anunciou que publicaria seus resultados dos últimos anos. Desde 94, o Banespa não divulgava balanços.

 

O BC, em janeiro de 98, aguardava autorização do presidente Fernando Henrique para conduzir a privatização.

 

Em agosto, três consórcios que iriam concorrer para avaliar o banco foram inabilitados pela Comissão Especial de Licitação, o que postergou o leilão.

 

O Banespa não estava sendo privatizado por causa de pendências tributárias de R$ 1 bilhão com a Receita Federal.

 

Em novembro de 1999 o Estado de São Paulo e a União chegaram a um acordo em relação ao Banespa, que permitia a retomada de processo de privatização do banco.

 

A venda só ocorreu após o governo FHC ter baixado uma medida provisória, conhecida como MP do Banespa, que remetia qualquer recurso para a apreciação direta do presidente do STF, ministro Carlos Veloso.

 

Na véspera da privatização, havia uma liminar que impedia a realização do leilão. Velloso fez plantão naquele fim de semana, recebendo no sábado à tarde o recurso da Advocacia-Geral da União, então sob o comando de Gilmar Mendes, cassando na noite de domingo a medida judicial, o que possibilitou a venda do banco para o Santander na manhã de segunda-feira.

 

Em 20 de novembro de 2000, com o lance surpreendente de R$ 7,05 bilhões, equivalente a um ágio de 281% sobre o preço mínimo de R$ 1,85 bilhão, o Banco Santander arrematou hoje o Banespa.

 

O maior conglomerado financeiro espanhol foi decidido a ganhar no leilão.

 

O primeiro sinal foi a presença do presidente da instituição, Gabriel Jaramillo, na Bolsa - era o único executivo de alto escalão dos bancos concorrentes que foi até o Rio de Janeiro.

 

O banco também foi o primeiro a entregar o envelope com a proposta de compra - fato pouco comum.

 

O Santander não quis correr riscos. Diferentemente do Bradesco que entregou seu envelope somente depois de se certificar de que o Itaú não estava na parada.

 

Aliás, a falta total de apetite dos bancos nacionais surpreendeu tanto quanto o lance do Santander.

 

Na narrativa oficial o banco foi resgatado das mãos nefastas de políticos locais, que o usava em benefício próprio e dos seus.

 

Para os sindicalistas a venda foi uma obra da “privataria” (sic) tucana, no governo neoliberal do presidente Fernando Henrique Cardoso.

 

Para a CPI, comandada por Fleury, a motivação para a decisão adotada pela diretoria do Banco Central à época, acatada pelo Conselho Diretor e pela Comissão de Inquérito, foi exclusivamente política.

“Há elementos suficientes para concluir que a forma como se deu a decisão de determinar o lançamento da dívida do setor público paulista junto ao Banespa, bem como o comportamento de pessoas do Banco Central (diretores, procuradores, membros da Comissão Especial de Inquérito e membros do Conselho Diretor do Banespa), feriu os princípios constitucionais da legalidade e da imparcialidade e a probidade administrativa, além de configurarem o cometimento, em tese, de outros crimes.”

 

Dezenove anos depois, o distanciamento no tempo e no espaço, vai nos permitir análises sob novas perspectivas.

 

À época, o hoje presidiário José Dirceu era o paladino do combate à corrupção. Intransigente com malfeitos, tinha ampla cobertura midiática, na véspera, no dia e no seguinte, à cada ato em defesa do Banespa.

 

Dada a promiscua relação dos atores é provável que muito do que pensávamos ter visto não era bem o que vimos.

 

Fonte: Arquivos da Folha de São Paulo